Dinheiro e Sociedade
O dinheiro surgiu, de forma independente em diversas culturas, a muitos séculos. Os registos históricos remontam ao séc. VII a.C., na região da Lídia, atual Turquia. É um marco do desenvolvimento cognitivo da espécie humana, dado o potencial matemático e conceptual exigido. Não só em termos de quantidades, mas de igual forma na heterogeneidade de manipulação dessa informação. A existência do conceito do dinheiro, enquanto objeto de troca, é puramente lógica, faz todo o sentido, outros sistemas seriam menos eficientes. Estava aberto o caminho para um desenvolvimento exponencial até à atualidade.
Desta forma, o dinheiro, ao permitir a libertação de transporte de troca direta de mercadorias, libertou o domínio cognitivo para outras formas de potenciação e crescimento. Impactou a especialização e, por conseguinte, a alimentação, as condições socioeconómicas, o desenvolvimento e até mesmo a reprodução humana. De forma concomitante, o dinheiro evoluiu de forma “emocional” nas diversas culturas e sociedades.
Esta evolução emocional tem, muitas vezes, o seu impacto menosprezado na evolução cultural do ser humano ao longo do tempo. O domínio cognitivo sem dúvida é vital; não obstante, o domínio emocional é a outra face da mesma moeda.
Economia
Em 1776, o filósofo escocês Adam Smith publica o livro “A Riqueza das Nações“. É considerado o nascimento da ciência económica, com análise e reflexão dos sistemas de trocas. Todo um conjunto de autores, nos séculos seguintes, analisam o potencial de troca e desenvolvimento humanos, sempre do ponto de vista técnico-científico e quantitativo, portanto matemático. Mas cedo também se percebeu que o comportamento humano não faria da economia uma ciência exata, mas uma ciência social. Reside aqui a chave: o dinheiro é um meio de múltiplas potencialidades, morais e/ou políticas coletivas e, também, individuais, sempre com impacto emocional.
A sociedade usa o dinheiro e toma centenas de decisões financeiras diariamente, que se acumulam de forma exponencial e constroem o seu futuro, bom ou mau. Excluindo a parcela especializada no domínio económico-financeiro, muito bem capacitada, existe um desnivelamento em relação às outras camadas da sociedade. O nosso domínio e capacitação de tomada de decisões financeiras individuais está interligado à consciência coletiva, seja da família, da comunidade ou do país e vice-versa.
Tomar decisões financeiras individuais é uma conjugação, nem sempre perfeita, dos domínios cognitivos. Nomeadamente a tomada de decisão, o planeamento e o cálculo. Concomitantemente, estes domínios cognitivos estão assentes em processos emocionais como a aversão ao risco, o interesse pela novidade, os comportamentos competitivos, de prazer e até mesmo os de dor. É impossível dissociar estes mecanismos do nosso meio de aprendizagem na infância e, também, da nossa personalidade. A mistura da exposição ao ambiente (ambiente socioeconómico mais favorável ou desfavorável) e a nossa personalidade condicionará as decisões financeiras atuais, e futuras.
O Experimento Marshmallow
No final dos anos 60 e início do 70 do século passado, o psicólogo Walter Mitchell, então professor na Universidade de Stanford, realizou um interessante experimento. O clássico estudo da psicologia, usada como preditor de sucesso profissional, ficaria conhecido como “O Experimento Marshmallow“. Em uma mesma sala, estão um investigador e uma criança. A criança é convidada a escolher entre um marshmallow no imediato ou dois quando o investigador se ausenta. Após se ausentar um determinado período, ele volta e recompensa a criança que o esperou. Esta experiência, alegadamente, tem uma maior capacidade preditiva do sucesso futuro de uma criança do que qualquer outro teste até hoje estudado. Isto porque a capacidade de se autorregular e adiar a satisfação para obter algo melhor no futuro está relacionada com o desenvolvimento de capacidades pré-frontais, que só se manifestarão na idade adulta. Ainda assim, a criança que tipicamente escolhe o marshmallow no imediato, normalmente está associada a ambientes de desenvolvimento onde o stress e atitudes hostis podem imperar. Por isso aprende que, dado que não sabe como será o futuro devido à instabilidade, é mais vantajoso para ela consumir imediatamente.
O que medeia a capacidade de adiar a gratificação é a exposição a níveis de stress ou ansiedade desregulados. A consequência? A construção da perceção da escassez ou da abundância de um determinado recurso. A perceção da escassez potencia comportamentos de motivação para o curto prazo. A perceção da abundância, obviamente, potencia comportamentos para o longo prazo. Comportamentos de curto prazo poderão estar mais relacionadas com risco acentuado (não adiamento de gratificação, portanto mais emocionais). Comportamentos de longo prazo, a decisões ponderadas (portanto menos emocionais). Um exemplo está relacionado com a dominância: pessoas com maior dominância ou menor inclinação para a partilha, estarão mais predispostas a comportamentos de adiamento de gratificação imediata para maior acesso a recursos, através do dinheiro. A recompensa emocional deixa de estar no presente e passa a estar no futuro.
Conclusões e Desenvolvimentos
Concluímos assim, que a tomada de decisão, em conjunto com a personalidade e o ambiente, também é moldável pela fase de vida em que o indivídu se encontra. Identificamos “atalhos” ou heurísticas que o cérebro acaba por usar aquando destas tomadas de decisão. Por exemplo, o número de escolhas à nossa frente. Um maior número de escolhas potencia maior processamento emocional. Uma maior complexidade das decisões no imediato, capacita o cérebro a ir pela via mais automática ou de menor gasto energético. Um adiamento de gratificação é mais exigente no processamento cognitivo. Importa não esquecer que é impossível, para o cérebro humano, construir uma macro realidade da noção de dinheiro. Ela é altamente subjetiva a cada um de nós, com base no nosso meio de desenvolvimento. O mesmo valor nominal poderá ser muito dinheiro para algumas pessoas e, para outras, poderá ser pouco.
Posto isto, a sociedade, enquanto agente consumidor (e não produtor), para o nível ótimo de sustentabilidade e progressão necessita de Literacia Financeira. Necessita também de condições ambientaiss que diminuam o stress na sua forma patológica. Isso possibilitará ao indivíduo decisões mais ponderadas. A utilização responsável de crédito, a ponderação entre consumo imediato ou poupança, atitudes face ao risco, análise e reflexão adequada sobre a conjuntura político-económica no dado momento, capacidade de tomada autónoma dessas decisões.
Um apoio e integração, desde a infância até à idade adulta, através do Ensino e da Formação para maior conhecimento técnico da realidade, aumentará as hipóteses de tomadas de decisões financeiras ponderadas. Seja através das insituições deo ensino regular ou formação de profissionais para o efeito, sempre com ênfase no incremento da Literacia Financeira.
Referências
Perfil do Dr. Diogo Mendonça no LinkedIn: Diogo Mendonça
Nosso artigo inicial: Literacia Financeira – Uma Necessidade
Artigo publicado neste website: O Experimento Marshmallow
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