Finanças Pessoais ao Rubro – o F.I.R.E.

F.I.R.E. – Financial Independence, Retire Early

O Movimento F.I.R.E. (Financial Independence, Retire Early) visa alcançar a independência financeira e a reforma antecipada. As primeiras referências surgiram nos Estados Unidos da América, nos anos 90 do século passado, nomeadamente o livro “O Dinheiro ou a Vida” de Vicki Robin e Joe Dominguez. Este movimento propõe transformar a relação do indivíduo com o dinheiro, ao priorizar escolhas conscientes e valorizar o tempo e a liberdade. O objetivo é ter rendimentos passivos suficientes para viver sem trabalhar por dinheiro.

Alcançar a independência financeira e a reforma antecipada na nossa realidade é buscar aposentadoria antes dos 66 anos e 6 meses, o indicador atual em Portugal. Uma das formas mais simples para atingir a independência financeira é seguir a regra dos 4%: poupar 25 vezes as despesas fixas anuais. Não é uma tarefa simples mas, quanto mais cedo começar e quanto mais consistente o indivíduo conseguir ser, mais possibilidades terá de atingir o F.I.R.E.

F.I.R.E. – Como e Para Quê

No já mencionado livro “O Dinheiro ou a Vida” de Vicki Robin e Joe Dominguez, os autores listam nove passos para alcançar o F.I.R.E. e manter a sua independência financeira, com tranquilidade e qualidade de vida:

  1. Avalia a tua situação financeira: Começa por entender as tuas despesas, receitas e o teu patrimônio líquido. Calcula quanto realmente ganhas por hora de trabalho.
  2. Reduz as tuas despesas e elimina as tuas dívidas: Identifica os gastos desnecessários e corta-os. Livra-te das dívidas, pois elas consomem recursos valiosos.
  3. Calcula a tua energia vital (vida): Avalia o impacto emocional e físico do teu trabalho. Pergunta a ti mesmo se ele está alinhado com os teus valores e objetivos.
  4. Cria um orçamento consciente: Prioriza o que é realmente importante para ti. Acompanha as tuas despesas e ajusta-as conforme necessário.
  5. Poupa e investe: Economiza uma parte significativa da tua renda e investe em ativos que gerem renda passiva.
  6. Avalia as tuas escolhas de consumo: Pergunta a ti mesmo se cada compra contribui para a tua felicidade e a tua liberdade financeira.
  7. Busca fontes alternativas de renda: Além do trabalho tradicional, explora outras maneiras de ganhar dinheiro, como freelancing, arrendamento de propriedades ou negócios próprios.
  8. Alcança a independência financeira: Quando os teus investimentos gerarem renda suficiente para cobrir as tuas despesas, tu atingiste a independência financeira.
  9. Reflete sobre o significado da vida e contribui para a tua comunidade: Usa o teu tempo e os teus recursos para o que realmente importa para ti e para o bem-estar dos outros.

As Diversas Abordagens do F.I.R.E.

Segundo Ariana Nunes, fundadora do canal do YouTube Renda Maior e Instrutora de Educação Financeira Certificada (CFEI) pela National Financial Educators Council (EUA), o movimento pode ser abordado em pelo menos cinco vertentes.

F.I.R.E. Tradicional

O caminho clássico, onde os indivíduos economizam agressivamente e investem para atingir a independência financeira antes da idade tradicional de aposentadoria. Eles buscam um portfólio de investimentos que gere renda suficiente para cobrir as suas despesas sem a necessidade de trabalhar.

F.I.R.E. Lean

Neste exemplo, os indivíduos adotam um estilo de vida mais frugal, reduzindo drasticamente as suas despesas para economizar e investir ainda mais. O objetivo é atingir a independência financeira o mais rápido possível.

F.I.R.E. Barista

O conceito envolve a transição para empregos de meio período ou menos estressantes após atingir a independência financeira. Os indivíduos continuam a trabalhar, mas com mais flexibilidade e menos pressão.

F.I.R.E. Coast

Aqui, as pessoas param de economizar agressivamente assim que atingem a independência financeira. Elas “navegam” com os investimentos existentes e não se preocupam em acumular mais riqueza.

F.I.R.E. Flex

Abordagem que combina independência financeira com flexibilidade. As pessoas podem continuar a trabalhar, mas têm a liberdade de escolher quando e como trabalhar, sem depender exclusivamente do salário.

F.I.R.E. na Realidade do Dia-a-Dia

Um exemplo prático é o da antiga Diretora Financeira da Microsoft, Rita Piçarra, que “reformou-se” aos 44 anos. Planeada desde o início da sua vida profissional, a retirada do meio corporativo (o que não quis dizer deixar de estar ativa) foi consequência de uma estratégia precisa e consistente, que envolveu uma rígida disciplina financeira, um cuidadoso equilíbrio entre o pessoal e o profissional e uma ambição construtiva, direcionada para este objetivo. Um caso a ser estudado e adaptado à realidade de cada um.

Como nota final, a atitude ideal para atingir o F.I.R.E. é muito semelhante aos princípios do Estoicismo, já abordado por mim anteriormente no artigo Finanças Pessoais à Luz do Estoicismo, em coautoria com Erick Stoic.

Referências

ROBIN, Vicki e DOMINGUEZ, Joe. “O Dinheiro ou a Vida”. 7.ª edição, 2020, Actual Editora. Coimbra

NUNES, Ariana. Canal “Renda Maior” – As Etapas do FIRE (Independência Financeira)

TEIXEIRA, Alexandra. Website “Doutor Finanças” – FIRE: O movimento que abre caminho à independência financeira

MATEUS, Cátia. Podcast “O Céu é o Limite” (Expresso Online) – Rita Piçarra, ex-diretora financeira da Microsoft e reformada


Comments

2 comentários a “Finanças Pessoais ao Rubro – o F.I.R.E.”

  1. Estes temas são realmente muito interessantes, mas muitos dos passos como os referidos em FIRE merecem uma reflexão profunda, ou até diria eu, dissecar para melhor se compreender e posteriormente executar. Mais do que poupar, ou melhor dito, para poupar, é importante que aquele que se propõe a poupar perceba onde não gastar. A meu ver, reside aí a origem do problema. Partindo do principio que alguém tenha já rendimentos, portanto, um trabalho remunerado, que exercícios e reflexões deverá esse alguém fazer para se tornar um real candidato a aforrador?

    As frases de que se deve poupar ficam muitas vezes bonitas de dizer, escrever e até aconselhar, mas o verdadeiro desafio consiste em escolhas. As pessoas têm de fazer escolhas, mas antes disso, devem aprender a saber como fazer escolhas. Aprender a prescindir de algo que não se precisa, mas que a pessoa não sabe que realmente não precisa, é um exercício muito interessante. Existem formas de o fazer utilizando a função utilidade, mas para não se entrar em números complexos e simplificar, o primeiro exercício talvez devesse ser o de cada consumidor tentar perceber a utilidade que cada bem ou serviço o serve e por quanto tempo. Constatamos que muitas vezes as pessoas consome determinados bens mais pela necessidade de aprovação dos outros que propriamente pela utilidade que esses bens lhe prestam. Os smartphones são um exemplo disso. Pessoas que querem ser vistas com o último modelo de iPhone ou Samsung quando na verdade o modelo que saiu há 3 ou 4 anos ainda serve bem e continua a receber atualizações. Nos tempos atuais resulta para muitas pessoas mais difícil poupar porque são agredidas diariamente por apelos ao consumo.

    Os produtos disponíveis no mercado em variedade mais que quadruplicaram nas últimas décadas. As técnicas atuais e em crescimento levadas a cabo pelas empresas fazem destes predadores económicos, seres famintos onde a maioria das vezes nos devermos questionar quanto à ética utilizada por estes. As presas são sugadas sem o perceberem, e alguns simples cálculos e bom senso ajudariam facilmente cada um a perceber se realmente precisa daquele novo produto ou serviço que vai muitas vezes pagar a prestações. Seja ele uma assinatura ou a prestação de um equipamento que o obrigará a prolongar uma fidelização. As nossas preferências são seguidas por algoritmos agora, e a nossa impressão digital diz não só quem somos, como denuncia as nossas fragilidades. Chega a roçar a ilegalidade as chantagens que vivemos a nível tecnológico. A troco de não deixarmos que sigam os nossos passos, é-nos vedado o acesso a coisas tão simples como funcionalidades do browser, funcionalidades essas que nos foram oferecidas no início, que nos educaram e habituaram a que fossem agora imprescindíveis, para de repente, na última atualização de um software, por dizermos que não a algumas funcionalidades de rastreio, perdemos acesso a algumas pestanas. Como os cartões dos supermercados, somos aliciados com descontos para ali metermos tudo a nosso respeito, para no futuro pagarmos em vez de recebermos por uma informação que até é nossa. Sim, pagamos, pagamos nos preços que estarão adaptados ao nosso excedente. Essa poupança que se pretende fazer, é o nosso excedente, o de cada um, e este depois de conseguido, será cobiçado diariamente pelos produtores. Cabe por isso a cada um aprender a proteger esse excedente, essa poupança, começando por saber fazer escolhas, e depois disso mensurar cada uma dessas escolhas.

    Para não me estender mais, e porque poupar é importante, também é muito importante viver, viver a vida, e não deixar de viver por se poupar de maneira obsessiva, mas infeliz. Lá está, prioridades. Se poupamos, será para um dia gastar. Eu não poupo em demasia porque se poupo para também disfrutar, não será com 80 anos que irei gastar parte das minhas poupanças a fazer ski na neve ou saltar de um helicóptero. São escolhas, e há prioridades. Afinal, tudo o que um homem possui, ele dará pela sua vida (Job 11.4).

    A coisa mais valiosa que uma pessoa tem, ela já tem, que é a vida! Primeiro cada um deverá aprender a ser feliz com o que tem, e depois disso aprender a gerir a felicidade não alimentado a ansiedade baseada na expetativa, mas sim na realidade que cada um constrói em função do seu próprio ser e das suas capacidades. Por fim, as capacidades podem-se adquirir, sim, com aprendizagem. A poupança é um processo lento, mas com resultados grandes à medida que o tempo passa, tal como a nossa própria essência. Somos dos seres mais incompletos que vem ao mundo. Se somos dos que mais tempo leva para começar a andar, falar e comer autonomamente, e acabamos no topo da cadeia alimentar, também poderemos ser dos mais contidos a gastar, e acabar no topo por saber amealhar.

    Luís Correia Tavares

    1. Avatar de José Carlos Mayrink
      José Carlos Mayrink

      Luís, um imenso OBRIGADO pela atenção, pela análise e, sobretudo pelos inúmeros “insights” do teu comentário!

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